As meninas nasceram no começo de Dezembro de 2009. Alice ainda estava na Perinatal quando o
Flamengo venceu o Grêmio por 2 a 1, gols de David e Ronaldo Angelim, sagrando-se campeão
brasileiro de 2009.
O avô já tinha enviado um gigantesco enxoval flamenguista para as meninas. Até babador com o
autógrafo do Zico tinha lá.
Arnaldo acompanhou o jogo da maternidade, pela TV de 7 polegadas portátil. Animadíssimo, com
as meninas ainda no Berçário, sugeriu, ingenuamente, que as meninas fossam chamadas de Ronalda
e Angelina, em homenagem ao zagueiro do Flamengo.
Nuvens negras aterrorizantes, com direito a raios e trovões, surgiram nos olhos de Alice, cansada
da cesariana.
Se olhar matasse...
Arnaldo registrou as meninas dois dias depois, exatamente como a mãe quis, Sofia e Marina.
Em apenas 7 dias Arnaldo tirou o CPF das meninas pelo correio e deu entrada na papelada para
colocar Sofia e Marina na bolsa, com conta na corretora, senha de Home Broker e tudo.
Com 29 dias de vida, ambas ganharam suas primeiras 10 ações ON da VALE.
Registrou as meninas para pagar a “tabela bolsa” (2% de corretagem), sem custódia, e prometeu
comprar R$ 100,00 para cada em ações todo mês.
Resumindo até 31/12/2009
168 aportes, totalizando R$ 78.270,65. Média de R$ 465,90.
19.411 ações VALE3, R$ 19.202,54 de dividendos reinvestidos em ações, totalizando um
patrimônio de R$ 960.916,07.
A rentabilidade média de seu investimento ficou POSITIVA em 35,6% ao ano.
Os dividendos representaram R$ 1.598/mês, quase 47% de seu salário de R$ 3.478,54.
2010 – Estagnação nos dividendos
O ano de 2010 foi relativamente tranqüilo para a bolsa e ainda trouxe ganho muito bom ao
portfólio de Arnaldo, mas um item o estava incomodando.
Os dividendos, após subirem 50% entre 2007 e 2008, estavam estagnados há 2 anos em pouco
mais de R$ 19.000 por ano. Para 2010, a julgar pela divulgação de da VALE, o patamar deveria se
manter.
É claro que, ao voltar a ter mais de R$ 1 milhão em ações, Arnaldo estava felicíssimo com os
resultados, mas aquele objetivo parecia ainda muito distante...
Em 2010, Arnaldo formou-se em economia, pois havia aproveitado muitas matérias de sua
primeira faculdade, de engenharia. Recebeu um convite para prosseguir na UERJ e fazer
mestrado, mas recusou, pois a vida de pai de gêmeas era, por demais, atribulada.
Houve uma mudança grande na empresa em que de Arnaldo.
Eles reformularam as carreiras e os
salários, criaram outros benefícios e novos cargos. Arnaldo teria que assumir a posição de
Engenheiro Pleno III, com salário 2 vezes maior, porém sua dedicação também deveria ser muito
maior. Isso não funcionava bem para Arnaldo, pois tinha construído toda sua vida com base naquele
acerto de redução de horas e mais liberdade que havia feito há alguns anos.
Quando o impasse parecia sem solução, os novos gestores da empresa, não querendo deixar a
expertise de Arnaldo ir para um concorrente, sugeriram que ele assumisse um cargo de Consultor
Especial, com carga de trabalho ainda reduzida e um salário ainda 30% maior do que Arnaldo
recebia.
Alice, doce Alice...
Ao chegar a casa, comentou com a mulher sobre as mudanças. Alice felicíssima e Arnaldo meio
sorumbático.
Quando Alice lhe perguntou por que não estava feliz com a promoção, o aumento e a redução na
carga horária, Arnaldo respondeu, muito sem graça:
- É que..., bem, é bom receber mais, porém
meu objetivo de ganhar, só com dividendos, o mesmo que ganho de salário vai ficar mais distante.
Alice, sem acreditar no que ouvia, disse, MUITO SÉRIA:
- Arnaldo, só você mesmo para receber
um aumento, com redução no trabalho e nas responsabilidades, e pensar nisso. Se você continuar
com esse apego, vou entrar no seu home broker, mandar vender todas as VALE3 e comprar tudo
de TecToy e Bicicletas Monark!
Arnaldo gelou! Mas caiu em si, entendendo a bobagem que estava dizendo...
Resumindo até 31/12/2010
180 aportes, totalizando R$ 86.778,17. Média de R$ 482,10.
19.917 ações VALE3, R$ 19.017,47 de dividendos reinvestidos em ações, totalizando um
patrimônio de R$ 1.102.109,65.
A rentabilidade média de seu investimento ficou POSITIVA em 33,48% ao ano.
Os dividendos representaram R$ 1.585/mês, 44% de seu salário de R$ 3.628,54.
2011 – O último sonho se realiza!
A bolsa teve um desempenho muito ruim no ano de 2011, a VALE também caiu bastante, reduzindo
o patrimônio de Arnaldo em pouco mais de R$ 350.000,00.
Mas, já em janeiro, Arnaldo sentiu os efeitos de uma mudança na política de dividendos da VALE.
Ele recebeu R$ 0,32 por ação de dividendos, quase R$ 7.000,00.
E, pelo que parecia, o ano teria
ainda muito mais.
A companhia pagou, ainda, surpreendentes R$ 0,6082 em abril, R$ 0,9334 em agosto e R$ 1,0237
em outubro.
Ao somar os valores, quase R$ 58.000,00 no ano, Arnaldo percebeu que, mesmo com o aumento de
30% que recebeu da empresa, os dividendos corresponderam a 102% do seu salário.
Foi um dividend yield da ordem de 5,2%, com base no preço do início do ano.
Resumindo até 31/12/2011
192 aportes, totalizando R$ 98.020,57. Média de R$ 510,52.
20.611 ações VALE3, R$ 57.786,54 de dividendos reinvestidos em ações, totalizando um
patrimônio de R$ 852.596,28.
A rentabilidade média de seu investimento ficou POSITIVA em 27,26% ao ano.
Os dividendos representaram R$ 4.815/mês, 102% de seu salário de R$ 4.717,10
Patrimônio final de Arnaldo:
Um casamento sólido e feliz, duas filhas lindas e saudáveis, liberdade financeira absoluta, para,
inclusive, decidir em que quer trabalhar e quantas horas quer dedicar.
Ao contrário do que alguns leitores podem pensar esta crônica não trata de finanças
diretamente, mas de outros valores.
Arnaldo poderia ter tomado decisões de consumo extravagantes, havia patrimônio para isso, mas
optou pelo equilíbrio.
Optou por um sistema de valores diferente do padrão, uma cultura diferente. Para o casal,
riqueza NÃO é consumir bens e serviços de luxo.
Existe a riqueza que liberta e a riqueza que aprisiona.
Arnaldo optou, desde menino, pela primeira. A cada passo de sua vida, comprava um pedaço de sua
liberdade financeira.
E a liberdade financeira, ao contrário do que imaginam as pessoas, não significa um passe livre
para gastar de forma indiscriminada.
Considerações sobre a estratégia de Arnaldo na bolsa
A estratégia de Arnaldo na bolsa peca, evidentemente, pela falta de diversificação. Não só com
outras ações, mas também com outros instrumentos.
A opção por manter esse “pecadilho” durante toda a crônica foi puramente literária. Ficaria
impossível escrever uma história interessante e relativamente curta, se Arnaldo tivesse 15 ações
na carteira.
E o motivo de pegar a VALE é puramente didático. É uma empresa que todos conhecem, mas
poucos se lembram de como foi complicado investir nela no final dos anos 1990.
Além disso, teve comportamento regular de pagamento de dividendos e de eventos societários,
tais como bonificações e desdobramentos.
Arnaldo teria sido bem sucedido se tivesse direcionado esses investimentos a um elevado número
de outras empresas brasileiras. Não teriam faltado opções para diversificar, nesses últimos anos.
Várias empresas, umas mais e outras menos, teriam apresentado ótimos resultados para o
hipotético investidor.
Disciplina nos investimentos.
Arnaldo investiu todo mês, reinvestiu todos os dividendos e comprou uma empresa com forte
crescimento nas vendas e nos lucros. São ensinamentos universais para investimento em bolsa de
valores.
Têm funcionado em dezenas de países, com milhões de investidores e por muitas décadas.
Vale sempre lembrar que em renda variável nada é 100% seguro. Até estratégias vencedoras há
décadas podem apresentar alguma necessidade de ajuste. Entretanto, dificilmente estratégias
perdedoras há décadas acabarão por tornarem-se vencedoras.
Em bolsa, é melhor não inventar muito...
Crédito: Paulo Coutinho.