quarta-feira, 23 de novembro de 2016

A história de Arnaldo

São pouquíssimos os brasileiros que têm histórias prolongadas de investimentos na bolsa. Justamente por isso há tão poucas referências. É difícil encontrar uma pessoa próxima que já tenha passado por grandes turbulências no mercado, e que possa transmitir um pouco de sua experiência.

A crônica sobre o engenheiro Arnaldo vai suprir, em parte, essa lacuna de histórias e mitos que poderiam traduzir os benefícios de se investir em bolsa, com visão de longo prazo e disciplina. Muitos dos leitores devem se identificar com o personagem fictício, Arnaldo, recém-formado em engenharia na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Voltando a 1995...

Contexto inicial 

Arnaldo se forma no curso de Engenharia Mecânica no segundo semestre de 1995. Consegue um emprego na área de manutenção de aparelhos industriais de refrigeração, seu sonho. Arnaldo havia entrado cedo na faculdade e era um aluno mediano. Conseguiu se formar após 5,5 anos de curso, aos 22 anos e estava muito feliz por ter conseguido emprego justamente na área e na especialidade desejada. Seu avô, um sujeito austero e experiente investidor da bolsa, sugere, então, que Arnaldo siga o princípio mais básico para ter as finanças pessoais saudáveis: guardar entre 10% e 20% de tudo o que ganha. Como sugestão, indicou ao neto investir em ações ordinárias da Cia Vale do Rio Doce, sólida empresa brasileira que, à época, estava com grandes chances de ser privatizada. Arnaldo, sujeito de pouca ambição, mas obediente, resolveu seguir os conselhos de seu avô, é onde a história começa.[1]

1996 - A primeira compra e o primeiro susto, a gente não esquece! 

O salário líquido inicial de Arnaldo era de R$ 1.500,00 e ele decidiu, seguindo os conselhos de seu avô, investir um valor em torno de 20% de seus vencimentos em ações ordinárias da Cia Vale do Rio Doce - VALE (Símbolo: VALE3). A abertura de conta na corretora teve aquela burocracia tradicional, mas, depois de alguns dias, tudo ok.

31/1/1996 – Decepcionante... 
Recebe seu salário, R$ 1.500,00 e liga para seu corretor:
- Bianor, estou com R$ 300,00 aqui e quero comprar umas ações ordinárias da VALE.
- Arnaldinho, meu filho, seu avô avisou que você iria ligar. Olhe, uma ação VALE3 custa R$ 245,00. Com trezentos reais... só se for comprar umazinha, né. A corretagem será de 2%, ok?
- Ok, pode comprar. Quanto tenho que depositar?
- R$ 249,90.

Arnaldo pensou muito e achou que o avô tinha indicado um investimento fora do seu alcance. Sentiu-se um pouco “pobre” por só conseguir comprar uma ação da VALE. Pensou: - E se a ação for para R$ 400,00, não vou conseguir comprar nem umazinha?
 A partir dessa compra, começou a se interessar um pouco mais e sempre aproveitava para dar uma olhada na Gazeta Mercantil, que sua empresa assinava, para ver a cotação da VALE3.
Nove dias depois a ação havia atingido R$ 265,00. Arnaldo pensou: - Vovô é craque. Ele disse que o negócio era de risco, mas quase 10% em 10 dias, não está nada mal!

29/2/1996 – Desconfiança... 
Quando liga para o corretor para comprar mais ações acha estranho, pois o valor era R$ 244,99, daí pergunta:
 - Ô Bianor, isso está estranho. Mês passado era R$ 245,00, agora é R$ 244,99. Isso parece loja de desconto, esse preço está certo?
 - Arnaldo, o preço é esse agora, mas daqui a pouco pode mudar. Foi coincidência isso. Posso mandar comprar mais uma?
 - Manda brasa, agora tenho 2 ações da VALE.
 - Vai ficar rico, garoto! E deram boas risadas.

11/04/1996 – Um susto pelo qual todos acabam passando... 
Após consultar a Gazeta, Arnaldo liga tenso para a corretora, pois o valor da ação indicado pelo jornal era R$ 25,70. Esbaforido, pergunta:
- Caramba Bianor! Eu sabia que era um negócio de risco, que poderia perder muito, mas não pensei que fosse tão rápido! Minhas ações caíram quase 90%. O que houve?
 - Rapaz, não seja tão apressado. Não é nada disso. É que as ações eram cotadas em lote de 1.000. Na realidade, aquela 1 (uma) ação que você tinha, correspondia a 1.000 ações. A VALE fez um grupamento de 1.000 para 1. Eu sei que parece maluquice, mas antes você tinha 1.000 ações que valiam R$ 0,2570 cada, mas a cotação era MOSTRADA por lote de mil, por isso é que você via R$ 257,00, entendeu?
 - Não, não entendi nada. Se ela fez esse grupamento, minhas ações não deveriam continuar valendo duzentos e poucos reais? Não esqueça que sou engenheiro, número é comigo mesmo!
- Calma, ainda não acabou. Como esse valor é muito alto, a VALE fez uma bonificação de 700%, ou seja, para cada ação que você tinha, ela deu mais 7.
 - Bianor, você está de brincadeira. Como é que ela me dá 700% de ganho assim?
 - Não é ganho nenhum. É só um ajuste no preço. Se você tinha 10 ações a R$ 80 cada, agora tem 80 ações valendo R$ 10 cada. Não ganha, nem perde. É só para dar mais liquidez à ação. Viu, agora em vez de comprar uma ação com seus R$ 300,00 vai comprar 10!
- É Bianor, não há almoço de graça. Esse negócio de bolsa é meio complicado. Espero que essas coisas não aconteçam muito...

31/05/1996 – Dividendos no início... 
 Arnaldo estava comprando 11 ações da VALE, que estavam cotadas a R$ 26,20. Mas havia algo estranho na sua conta. Ele depositava exatamente o montante necessário para comprar as ações e pagar os custos de transação, zerando seu saldo na corretora. Eis que aparece em sua conta a quantia de R$ 0,04 (quatro centavos). E liga de novo para Bianor.
- Bianor, está me dando dinheiro rapaz? Que 4 centavos são esses na minha conta? É um cafézinho de cortesia?
- Arnaldo, a VALE declarou um dividendo de R$ 0,0016 por ação, você tinha 24 ações na época da declaração, então recebeu R$ 0,04. Não é bom?
- Bianor, o dividendo é isso? Tá brincando, né? É muito pouco, cara. Onde é que meu avô estava com a cabeça? Quatro centavos?!?!?! E meu avô ainda diz que vive de dividendos. Deve ser dono da VALE!

Resumindo do ano de 1996 
12 aportes, totalizando R$ 3.373,20. Média mensal de R$ 281,15.
128 ações VALE3, R$ 12,43 de dividendos em conta (a VALE declarou dividendos no final de 96), totalizando um patrimônio de R$ 3.468,43.
Não foi possível reinvestir esse valor, pois não comprava nem uma ação.  A rentabilidade média de seu investimento ficou em 6,38% ao ano[2], muitíssimo abaixo das taxas de juros da renda fixa brasileira no ano de 1996. Arnaldo ligou para o avô e contou suas aflições.

  Disse que se tivesse colocado em renda fixa teria um resultado muitíssimo melhor e sem qualquer transtorno. Disse que achava meio complicado esse negócio de bolsa e que estava pensando em reconsiderar seus métodos. Reclamou dos dividendos e dos custos de transação. O Avô lhe disse: -   Arnaldo, você tem 23 anos. Está começando sua carreira agora. Bolsa é para quem tem paciência e para quem tem vontade de estudar as companhias e o mercado. Dê mais algum tempo para vermos o resultado.

Continua...

Créditos: Paulo Coutinho.




2 comentários:

  1. Respostas
    1. II, obrigado pela visita!
      Também gostei, por isso estou compartilhando.

      No decorrer dos dias vai saindo a continuação.

      Abraço

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